Natalia Martins Gonçalves¹
(coordenadora); Maria Helena da Silva Meller²; Ághata July Goularte Patrício³
¹ Membro Individual ANTP, Pesquisadora nível
doutorado em planejamento do transporte urbano da Universidade de Tübingen,
Alemanha, professora da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) -
pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania (NUPEC) natalia.martins@web.de.; ² Pedagoga, especialista
em assuntos educacionais, Assessora Pedagógica no município de Criciúma, mhsmeller@gmail.com; ³ Acadêmica
do curso de Ciências Jurídicas da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC
e estudante pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania (NUPEC)
aghatajuly@hotmail.com
RESENHA
A escola é uma instituição
imprescindível no fomento ao desenvolvimento de toda e qualquer sociedade. No
Brasil, freqüentar a escola é conduta obrigatória a todas as crianças e
adolescentes, sendo dever do Estado a disponibilidade de escolas públicas e dos
pais a matrícula e efetiva presença dos filhos na escola. Entretanto, para uma
parcela considerável de cidadãos brasileiros, a trajetória para chegar até
essas instituições de ensino se faz mais complexa. Além da dificuldade de
mobilidade urbana existente, a infra-estrutura, tanto material quanto humana
dentro da escola, para garantir um ensino justo e necessário a esses
estudantes, é debilitada. O escopo legal garante a acessibilidade, o direito à
educação, mas na prática o sistema apresenta algumas falhas. A falta de
recursos e a falta da devida fiscalização fazem com que a legislação que ampara
os portadores de deficiência vire mera utopia. O Estado que garante os direitos
fundamentais do indivíduo é o mesmo que impõe barreiras para restringir o pleno
desenvolvimento de sua sociedade. Em contrapartida, no extremo sul catarinense
a Escola Básica São Cristóvão empenha-se diariamente para transpor todos os
empecilhos e proporcionar uma educação sem barreiras a essas crianças, que
apesar das diferenças, almejam um futuro brilhante e promissor.
PALAVRAS-CHAVE: Educação sem barreiras.
Direitos fundamentais. Mobilidade urbana. Acessibilidade.
1.
INTRODUÇÃO
A escolarização no Brasil é
obrigatória, pela Emenda Constitucional 59, até aos 17 anos de idade. Portanto,
todo cidadão deve usufruir do seu direito civil de frequentar uma escola.
Destarte, estariam as leis sendo cumpridas por parte daqueles que propõem as
políticas públicas, garantindo ao sujeito mover-se pela cidade e acessar todos
os espaços desejados por ele na escola? Qual a distância entre a “teoria e a
prática” no caso da rede educacional de Criciúma/SC?
O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA, 1990) afirma que “é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos [...]” desta população. De acordo com a lei
10.098/2000, a acessibilidade, quando atendida, possibilita com segurança e
autonomia a utilização de todos os espaços e equipamentos à pessoa deficiente
ou com mobilidade reduzida, transpondo qualquer barreira, seja ela
arquitetônica, de comunicação, ou cultural. A lei Nº 12.587/2012, em seu art.
5o pontua que a Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada em
princípios como o da acessibilidade universal. Bem como o Art. 7 afirma que um
dos objetivos dessa Política é a redução das desigualdades e a promoção da inclusão
social.
Considerando as diversas
assertivas, foi proposto o presente trabalho com o objetivo de analisar as
condições de acessibilidade dos estudantes da rede escolar do município de
Criciúma, visando conhecer os espaços internos da escola, o seu entorno e a
conexão com o sistema de transporte da cidade, de forma a identificar as
barreiras inibidoras do acesso à educação, decorrentes dos empecilhos gerados
pela mobilidade urbana.
1.1 Objetivo
Portanto, o objetivo geral
deste trabalho foi analisar as incongruências existentes entre o escopo legal
referente à obrigatoriedade da educação no ensino fundamental e médio a
crianças e adolescentes, determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e pela CF/88, a legislação relativa à mobilidade e à acessibilidade
urbana, bem como a sua interface com a realidade na vida diária do acesso à
escola. Adicionalmente, buscou-se identificar em que grau a teoria e a prática
na educação e na mobilidade urbana pode promover a garantia dos direitos
fundamentais constitucionalmente amparados dos estudantes do ensino
fundamental, com deficiência, na Cidade de Criciúma, através de um estudo de
caso, usado como referencia preliminar, para posterior expansão da pesquisa.
1.2 Metodologia
A pesquisa é do tipo
exploratoria e descritiva, pois tem o propósito de investigar as diversas
incongruências entre a teoria e a pratica, expor as características do fenômeno
estudado, identificar aspectos e variáveis importantes para a compreensão da
sua natureza e as suas correlações. Os meios de investigação utilizados foram a
pesquisa bibliográfica e de base de dados (como IBGE e Secretaria de Educacao),
estudo de caso, análise documental, observação pessoal do ambiente da escola e
da cidade, e a realização de entrevistas com gestores e professores da escola.
Este trabalho se propõe a apresentar os resultados preliminares da primeira
etapa de investigação.
Para a contextualiazação e
a formatação da pesquisa de campo foram realizadas entrevistas com Secretarias
Municipais e com a diretora de uma escola da cidade de Criciúma. A aplicação da
pesquisa de campo na escola foi conduzida no mês de julho de 2013.
As entrevistas foram
conduzidas de forma semiestruturada com os representantes dos seguintes órgãos
e instituições públicas:
- Entrevista
com a Secretaria Municipal de Educação do Município de Criciúma
- Entrevista
com a Gestora da Escola do Município de Criciúma
- Entrevista
com a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Planejamento Urbano do Município
de Criciúma
O estudo pretende concluir os
trabalhos com o desenvolvimento de um plano piloto com a visão de uma futura
aplicação prática para a realidade das escolas do município de Criciúma. No
presente artigo enfoca-se a revisão teórica e da base de dados existente sobre
acessibildade e deficiência e os resultados prelimirares das pesquisas de campo
realizadas no estudo de caso escolhido para contextualização da pesquisa e a
identificação dos aspectos mais relevantes da temática em discussão: educação,
mobilidade e direitos fundamentais.
2.
ACESSIBILIDADE E EDUCAÇÃO: CONTEXTUALIZANDO A
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Conforme o que está
previsto na Constituição Federal Brasileira/88, todo cidadão brasileiro tem o
mesmo direito a ter acesso aos bens e produtos dessa sociedade. Portanto, neste
contexto questiona-se: o desenho urbano, as adaptações arquitetônicas, de fato,
proporcionam o acesso necessário aos deficientes e àqueles com necessidades
especiais de locomoção? As barreiras de comunicação se constituem como
inibidores da utilização das vias de acesso? Estariam os profissionais
qualificados para fornecer informações de toda ordem possuindo o conhecimento
necessário para contribuir com a plena inclusão dos deficientes aos
equipamentos públicos e privados destinados à circulação e à acessibilidade no
ambiente urbano e da escola?
Segundo a Lei de
Acessibilidade (10.098/2000) a urbanidade deve ser projetada de tal forma que
todos os elementos sejam utilizados por qualquer cidadão independente de sua
condição fisica ou social. A Lei 12.587/12, que institui a política nacional de
mobilidade urbana, em seu Art. 5°, descreve os princípios que fundamentam esta
política para todo o país. Dentre estes princípios estão a acessibilidade
universal (Inciso I), a equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público
coletivo (Inciso III) e a segurança nos deslocamentos das pessoas (Inciso VI).
Dentre os objetivos da citada política pública estão listados a redução das
desigualdades e a promoção da inclusão social (Inciso I), a promoção do acesso
aos serviços básicos e equipamentos sociais (Inciso II) e a promoção da
melhoria das condições urbanas da população no que se refere à mobilidade e à
acessibilidade (Inciso III). No entanto, observa-se nos diversos ambientes das
cidades que existe, ainda, um longo caminho a ser trilhado na garantia desses
princípios e direitos e na construção de espaços sem barreiras, que promovam a
inclusão de todos no acesso aos serviços básicos e à urbanidade.
Segundo o inciso I do Art.
54 do ECA o ensino fundamental é obrigatório e gratuito para a crianca e o
adolescente, inclusive quando o indivíduo não teve acesso na idade correta.
Portanto, o Estado deve propor políticas e medidas para garantir o pleno
desenvolvimento da criança e do adolescente proporcionando-lhes a possibilidade
de progredir através dos estudos e se estabelecer de forma autônoma e produtiva
na sociedade. O ECA afirma ainda que “é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos [...]” (BRASIL, 1990) desta população. Corroborando
neste sentido o que está expresso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), em seu Art. 2º: “A educação, dever da família e do Estado, [...] tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e a sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1996).
Presume-se diante de tais
leis que um estudante, dentro da faixa etária designada como obrigatória,
quando está impossibilitado de se mover pela cidade, de acessar prédios
públicos e privados devido às barreiras existentes, sejam elas físicas e/ou
culturais, estaria sendo privado do exercício dos seus direitos como cidadão.
Essa conjuntura paradoxal merece uma reflexão. A escola que ensina a desvendar
o mundo por meio do conhecimento é a mesma que põe os empecilhos ao
desenvolvimento do estudante, quando o mesmo não consegue chegar ou se mover
nesta escola.
De acordo com a lei
10.098/2000 (BRASIL/2000) a acessibilidade, quando atendida, possibilita com
segurança e autonomia a utilização de todos os espaços e equipamentos à pessoa
deficiente ou com mobilidade reduzida, transpondo qualquer barreira, quer
arquitetônica, quer de comunicação. Neste sentido, as autoridades responsáveis
pelo planejamento e gestão da mobilidade deveriam em cumprimento à legislação,
aplicar tais princípios nos planos e projetos do desenho urbano, do transporte
e da circulação.
Considerando o acima
exposto, percebe-se que do ponto de vista jurídico, a matéria recebe a atenção
dos legisladores, proporcionando os instrumentos necessários ao desenvolvimento
das políticas públicas. Por outro lado, considerando as questões culturais,
sabe-se que as transformações do comportamento, do saber e da aplicação da
técnica nas diversas áreas não acontecem por decreto, porquanto passam pelos
valores, princípios e políticas de determinado espaço geográfico.
Sendo assim, para que todos
os indivíduos tenham seus direitos subjetivos assegurados há a necessidade de
romper com barreiras culturais. A sociedade traz em seu histórico uma
proposição perfeccionista, ou seja, o estabelecimento de normas e padrões.
Diante disso, todo aquele que se distancia de tal modelo é como se estivesse
aquém dos demais sujeitos. Subjacente a isso se vê resistência de toda forma
para se alcançar uma sociedade capaz de aceitar o sujeito em suas
possibilidades. O que se observa são as constatações dos limites de tais
cidadãos. Essa questão deve estar presente nos olhares de quem pensa e planeja.
Empiricamente se deduz que mais do que de um amontoado de ações é necessário o
conhecimento dos planejadores e gestores tanto das escolas quanto da mobilidade
sobre as dificuldades encontradas pelos deficientes, para poder desenvolver
soluções a partir de suas necessidades. Somente assim será possivel o desenvolvimento
e a aplicação das políticas de mobilidade, acessibilidade e desenho urbano, que
possam promover a inclusão social plena de todo e qualquer indivíduo.
3.
DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL: A
EDUCAÇÃO SEM BARREIRAS
Os direitos fundamentais
têm como objetivo assegurar a todos os seres humanos uma existência digna,
igualitária e livre de qualquer arbitrariedade particular ou estatal. Conforme escreve
Moraes (2006, p.21) os direitos fundamentais podem ser assim definidos:
O conjunto institucionalizado
de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito
a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e
o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da
personalidade humana.
Os Direitos Fundamentais,
em conformidade com o seu entendimento atual, possuem a característica de
serem:
· Inalienáveis, pois são
intransferíveis e inegociáveis:
· Imprescritíveis, pois não
deixam de existir após determinado lapso temporal:
· Irrenunciáveis, pois nenhum
ser humano pode desconsiderar a existência desses direitos;
· Universais, pois são
aplicados a qualquer ser humano em qualquer país.
Estes direitos foram sistematizados
depois da segunda guerra mundial a partir do lema Liberdade, Igualdade e
Fraternidade da Revolução Francesa, baseando-se na teoria das gerações ou dimensões
dos direitos fundamentais. Os chamados direitos de primeira geração ou direitos
de liberdade foram os primeiros a serem reconhecidos, e compreendem direitos
civis e políticos, dispostos a qualquer ser humano. Podemos citar como tais
direitos o direito à vida, à segurança, à propriedade privada, ao voto, à
liberdade de pensamento, à liberdade de locomoção, entre outros (GONÇALVES;
ANACLETO; MORATO, 2012).
Aqueles considerados direitos
de segunda geração, ou direitos de igualdade, surgiram com o advento do Estado
Social. Abrangem os direitos econômicos, sociais e culturais, e devem ser
executados pelo Estado, de modo a garantir a chamada justiça distributiva, ou
seja, o Estado deve defender um tratamento igualitário e proporcional, de
acordo com a necessidade dos indivíduos. Podemos citar como tais direitos o
direito ao trabalho, à greve, à livre associação sindical, à saúde, à educação,
ao laser, à habitação, entre outros. Os chamados direitos de terceira geração
ou direitos de fraternidade ou solidariedade são os direitos considerados
coletivos por natureza. Incluem-se nesse âmbito o direito ao meio-ambiente, ao
desenvolvimento, à paz, à comunicação, à conservação do patrimônio histórico e
cultural da humanidade, entre outros (GONÇALVES; ANACLETO; MORATO, 2012, p. 2).
A Constituição Federal
Brasileira/88 ampara plenamente todas estas familias de direitos sem distinçao
entre todos os cidadaos brasileiros, podendo ser ressaltados aqui aqueles que
sao objetos deste estudo como os direitos de primeira geraçao, ou de liberdade
– direito de ir e vir, ou de locomoçao; os de segunda geraçao, ou igualdade –
direito à educaçao; e ainda os considerados de terceira geraçao, ou de fraternidade
– à cominicaçao, à cultural e ao desenvolvimento. No entanto, quando nos
transportamos para a prática desses direitos, percebe-se que existem muitas
lacunas na aplicaçao das leis e na execuçao das politicas publicas praticadas
pelos diferentes niveis de governo em todo o territorio brasileiro.
Os dados do Censo
Demográfico de 2010 apontam que existem no Brasil “45 milhões de pessoas que
declararam ter pelo menos uma das deficiências investigadas, correspondendo a
23,9% da população brasileira” (BRASIL. IBGE, 2013). Conforme mostra o gráfico
na Figura 1, o maior número dessas pessoas são idosos, acima de 65 anos de
idade. Porém, vale ressaltar o percentual significativo de criancas e
adolescentes que deve receber formação escolar e ter acesso à vida urbana,
devendo ter garantida a sua condicão de ir e vir autonomamente, de promover o
seu autodesenvolvimento conforme as suas escolhas, de cumprir com suas
obrigacões de cidadão e de futuramente dar a sua contribuicão para o
desenvolvimento da sociedade onde vivem.
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Figura 1 –
Percentual de pessoas com deficiência por grupo de idade no Brasil. Fonte:
elaborado com base nos dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012).
A Figura 2
abaixo mostra uma comparação da distribuição percentual da população de 15 anos
ou mais de idade, por existência de pelo menos uma das deficiências
investigadas pelo IBGE (auditiva, mental/intelectual, motora, visual), com a
população sem deficiência e nível de instrução no Brasil. Neste comparativo
fica evidente o desprevilégio das pessoas com deficiência na formação escolar.
Enquanto 61,1% das pessoas com deficiência são sem instrucão ou possuem ensino
fundamental incompleto, 38,2% daqueles sem nehuma deficiência estão nesta
condição. Verifica-se ainda, que em todas as fases escolares as pessoas com
deficiência são desprevilegiadas. Portanto, constata-se que não há equidade no
acesso à educação. As razões merecem ser investigadas para que se elabore
políticas públicas adequadas para que estas pessoas possam chegar à escola, lá
permanecerem e conluírem a sua formação, conforme previsto pelos princípios da
LDB em seu Art. 3º, Inciso I “igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola.” Conforme observado em estudos na cidade de Criciúma,
uma dessas razões está relacionada à mobilidade urbana e ao acesso aos prédios
públicos e privados (GONÇALVES, 2012).
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Figura 2: Comparativo da
distribuição percentual da população de 15 anos ou mais de idade, por
existência de pelo menos uma das deficiências investigadas pelo IBGE (auditiva,
mental/intelectual, motora, visual), com a população sem deficiência e nível de
instrução no Brasil. Fonte: IBGE Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012).
4
ESTUDO DE CASO: A CIDADE DE CRICIÚMA
4.1
Mobilidade e acessibilidade urbana na cidade de
Criciúma
Promover a mobilidade e a
acessibilidade nas cidades tem sido um dos maiores desafios dos gestores
públicos, planejadores urbanos e de transporte neste novo século. A garantia do
acesso aos espaços urbanos através dos serviços de transporte urbano requer nos
dias de hoje uma reavaliação das abordagens de planejamento e das políticas
públicas, com vistas ao rompimento das barreiras existentes, sejam elas
físicas, sociais, econômicas, culturais, tecnológicas, ao livre deslocamento de
todas as pessoas.
Para qualquer
cidadão, sair de casa de manhã e chegar a qualquer ponto de interesse,
significa romper barreiras. As barreiras começam dentro dos próprios edifícios,
passando pelos acessos, escadas, calçadas, meio-fios, tráfego, a falta de
sinalizacão para cruzar as vias e os muitos obstáculos nas áreas de pedestres.
Finalmente quando é possível ultrapassar todos estes obstáculos e acessar o
meio de transporte disponível, vêem os obstáculos internos ao serviço, como
informação, custos, estacionamentos adequados, entre outros. No final do
trajeto, tem-se novamente o desafio de acessar os edifícios de destino, sejam
eles locais de trabalho, escolas, lojas ou serviços. Edifícios que, no geral
são construídos seguindo medidas padrão, excluindo parte da populacão em
qualquer cidade (GONÇALVES, 2012).
Vasconcellos
(2001) define mobilidade urbana como a habilidade de atingir os destinos
desejados, vencendo os espaços que os separa. A mobilidade é medida pelo número
de viagens feitas por uma pessoa, em um dia. Para o autor, acessibilidade é o
principal produto espacial gerado pelos meios de transporte, sendo definida
como a facilidade com que as pessoas atingem os seus destinos, e não somente a
capacidade de ultrapassar espaços. Acessibilidade reflete o ponto de vista do
usuário em detrimento do foco espacial, como proposto pela análise da
mobilidade estrita. Importante ressaltar que o foco da análise leva à abordagem
e ao estudo de diferentes variáveis. Por exemplo, se o foco é vencer espaços, a
variável principal é o estudo do tempo e as suas inter-relações (GONÇALVES;
ROTHFUß; MORATO, 2012, p.13). Porém, se o objetivo é o acesso universal para
todos à vida urbana é necessário incorporar os princípios da equidade e da
capacidade de cada um em se mover pela cidade, independentemente da sua
condição física ou socioeconômica. E conforme a Constituição Federal
brasileira, o Estado deve prover as condições materiais e imateriais para a sua
concretização.
Desde os anos
1970 as cidades brasileiras têm investido em um padrão diferenciado de
transporte público, baseado no sistema ônibus, com vistas a oferecer melhores
serviços e incluir parte da população que antes estava limitada ao acesso à
cidade, a um custo inferior aos sistemas sobre trilhos. Esta solução que foi
desenvolvida na cidade de Curitiba se espalhou pelas cidades brasileiras e do
mundo. O sistema integrado de transporte coletivo, hoje evoluindo para o
chamado Bus Rapid Transit (BRT), foi implantado na cidade de Criciúma em 1996,
cuja integração cobre toda a extensão do território da cidade.
Este sistema
possui corredores exclusivos de ônibus, com três terminais de integração, todos
operando com plataformas elevadas, adaptadas com rampas, elevadores e
sinalização para facilitar o acesso universal e estações intermediárias de
embarque ao longo do corredor também com acesso em nível.
Criciúma possui
em torno de 190 mil habitantes no município sede, porém o município está no
centro de um aglomerado urbano com 350.000 habitantes aproximadamente, com
características de pólo de desenvolvimento, acentuada conurbação entre os
municípios vizinhos e, conseqüentemente, problemas comuns. Estas cidades
utilizam diariamente o centro urbano de Criciúma para suas atividades em geral
(trabalho, estudo, compras, lazer, saúde, etc.), ampliando assim, o volume de
pessoas circulando na cidade e usando a sua infraestrutura, a um número
bastante superior ao de seus residentes. Portanto, todo o planejamento da
cidade deve levar em conta o seu caráter regional (GONÇALVES, 2007, p. 5).
O sistema
integrado de transporte possui um eixo estruturador leste-oeste conectando a
cidade à área central e ao principal complexo educacional, onde estão
localizados uma universidade, um centro de ensino universitário, duas escolas
técnicas, além de outras escolas de ensino fundamental e médio. Este complexo
atende a região em um raio de até mais ou menos 150 km. Todos os dias um volume
significativo de estudantes vem para a escola e muitos deles utilizam também o
transporte público urbano para se deslocar.
Após a
implantação deste sistema de transporte em 1996 verificou-se uma elevação
imediata do número de passageiros, bem como a entrada de novos usuários no
sistema de transporte. Em uma pesquisa realizada pelo Ógão Público (Núcleo de
Transporte Coletivo – NTC), gestor do transporte urbano, constatou-se que
diversos passageiros estavam impedidos de se deslocar para a escola devido à
falta de conexão de linhas e horários servindo ao local e, também, por falta de
condicões de acesso para pessoas com deficiência. Estas pessoas começaram a
estudar imediatamente após a introdução das condições físicas de acesso.
Embora o
sistema integrado de transporte tenha oferecido estas condições de acesso,
ainda existem diversas pessoas com deficiência ou com necessidades especiais
que não estão na escola, que estão impedidas ou circulam com dificuldade pela
cidade. Pesquisa relizada nos anos de 2005 e 2012 apontou alguns dos problemas
que as pessoas enfrentam no seu ir e vir pela cidade. O objetivo das pesquisas
foi avaliar itinerários porta a porta, considerando os acessos, as áreas de
pedestres, vias, cruzamentos, o transporte público e o acesso a prédios
privados. Os resultados apontaram barreiras físicas em vários pontos,
construção inadequada dos equipamentos para a acessibilidade, mas a maior
barrerira encontrada nestes itinerários específicos foi a da informacão.
Portanto, medidas devem ser tomadas tanto pelo poder público quanto entidades
privadas para que a legislação em vigor seja cumprida, para que haja de fato
equidade no acesso e se tenha uma cidade agradável e atrativa para se viver
(GONÇALVES, 2012).
4.2
Pessoas com deficiência na cidade de Criciúma: uma
visão geral dos dados
Conforme os dados do Censo
2010 do IBGE, cerca de 21,4% da população de Criciúma possui pelo menos uma das
deficiências investigadas, ficando, portanto abaixo da cifra nacional de 23,9%
da população (IBGE, 2012). A Figura 3 mostra que existem aproximadamente 2.500
pessoas com deficiência na cidade de Criciúma na faixa etária dos 10 aos 19
anos de idade, sendo que destes o maior número são do sexo feminino. População
esta dentro do grupo investigado por este trabalho. É válido ressaltar que o
maior número de pessoas com deficiência encontra-se na faixa etária dos 45 aos
49 anos de idade. As causas dessa deficiência e as condições de vida na fase
adulta seria também um interessante objeto de investigacão futura.
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Figura 3: Número de pessoas com
deficiência por grupo de idade e gênero na cidade de Criciúma/Br. Fonte:
elaborado com base nos dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012).
Os dados do
Censo Demográfico de 2010 permitiram “identificar as deficiências visual,
auditiva e motora, com seus graus de severidade, através da percepção da população
sobre sua dificuldade em enxergar, ouvir e locomover-se, mesmo com o uso de
facilitadores como óculos ou lentes de contato, aparelho auditivo ou bengala, e
a deficiência mental ou intelectual.” (IBGE, 2012). Estes dados são fornecidos
por cidades de forma estratificada. Tais informações são um poderoso
instrumento para um melhor entendimento da realidade das pessoas e onde elas
vivem e, com isto, poder propor políticas públicas com maior eficácia. A Figura
4 abaixo mostra os percentuais por tipo de deficiência, bem como o grau de
severidade de cada uma delas. Interessante notar que no grupo de maior
severidade os maiores números são relativos à deficiência mental/intelectual e
a deficiência motora. Desconsiderando a deficiência mental/intelectual, a
deficiência motora responde por 40% dos deficientes da cidade. Este número é
importante quando se avalia a necessidade de equipamentos públicos e adaptações
dos prédios públicos e privados para a acessibilidade.
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Figura 4: Tipo de deficiência e grau de
severidade, em % na cidade de Criciúma/Br. Fonte: elaborado com base nos dados
do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012).
4.3
A educação na cidade de Criciúma: o cotidiano da
deficiência nas escolas do município
Criciúma possui
72 escolas públicas municipais que lecionam da educação infantil ao 9º ano,
onde 16 mil crianças estudam, mais 26 creches de educação infantil atendidas
pela Associacão Feminina de Assistência (AfASC), com suporte finaceiro e
técnico do governo municipal, sendo atendidas mais de 5 mil crianças. Além das
escolas públicas municipais, existem 43 escolas públicas de ensino médio, uma
escola técnica mantida pelo governo do Estado de Santa Catarina e uma escola
técnica mantida pelo Governo Federal, com ensino médio e faculdade. O ensino
privado médio e fundamental é oferecido por sete escolas na cidade. O ensino
especial exclusivo é oferecido por duas escolas mantidas em parceria da
comunidade com o poder público. Além dessas instituições, existe a rede de
escolas privadas da educação infantil ao ensino médio, três faculdades e uma
universidade. Uma das escolas de ensino especial fornece preparação
profissionalizante, bem como a condução e o acompanhamento desses educandos ao
mercado de trabalho.
Analisando os
Projetos de 70 escolas pertencentes ao sistema de ensino do municipio com
relação ao tema, constatou-se que em escolas que possuem estudantes com algum
tipo de deficiência, introduz-se um estagiário por sala de aula para auxiliar o
docente. Além disso, há um docente que trabalha com alunos cuja deficiência
implique em dificuldades de aprendizagem. Esse estudante vem no período
contrário para ter reforço escolar, dentro de suas possibilidades. Os projetos
indicam que com o aumento do número de matrículas desses estudantes, os
materiais e recursos didáticos específicos começam a chegar às escolas.
Conforme as informacoes
abaixo levantadas através das entrevistas realizadas na Secretaria de Educação
do Municipio de Cricúma, existem aproximadamente 420 alunos com deficiência ou
necessidades especiais matriculados e frequentando regularmente as escolas do
município de Criciúma. Das escolas do municipio, 20 têm a sala de recurso
multifuncional além do atendimento educacional especializado, visando garantir
que as particularidades de cada aluno/a
com deficiência sejam reconhecidas e atendidas. São consideradas
matérias do Atendimento Educacional Especializado: Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS); Ensino de Língua Portuguesa para surdos, Informática adaptada;
Mobilidade e comunicação alternativa/aumentativa; Enriquecimento e
aprofundamento do repertório de conhecimentos; Atividades da vida autônoma e
social, entre outras. O atendimento especializado é feito por 21 professores em
sala de aula, além de 13 atendimentos feitos em casa. Outro ponto a ser
ressaltado é o relativo à formação dos docentes e do corpo técnico e
operacional da escola, pois não bastam as adequações de mobiliários e recursos
de suporte à aprendizagem para garantir a inclusão dos deficientes ao ambiente
escolar e a sua permanência até à conclusão dos seus estudos. A secretaria
apresentou um cronograma de formacao de professores para o 2º semestre de 2013.
No geral, com relação à
adequacão dos acessos, retirada das barreiras, os projetos novos são todos
realizados segundo as normas da ABNT. Entretanto, prédios antigos não são
adaptados, continuando como proposta para quando houver reforma das escolas,
essas melhorias sejam feitas atendendo às leis vigentes. Ou quando há
necessidade (por exemplo: sabe-se que um número considerável de crianças serão
matriculadas em tal escola) a Secretaria de Educação faz uma requisição para o
setor de mobilidade, que reforma a escola para adaptar aos alunos com
necessidades especiais. Em algumas escolas existe inclusive um plano com metas
estabelecidas para o futuro. Porém, analisando as metas, os custos envolvidos,
superiores a uma reforma de rotina, e as previsões orcamentárias para tal,
pode-se aferir que essas adequações certamente terão um tempo maior do que o
almejado pela população que necessita de tais acessos.
As informações acima foram
confirmadas pela Secretaria de Infraestrutura e Planejamento, quando perguntada
sobre a existencia de projeto específico para adaptar todas as escolas da rede
municipal: “Não há. Não há recursos, embora a legislação ampare estes alunos. O
que fazemos é a adaptação de forma gradativa destes locais. Na medida em que
são feitas as reformas ou criadas novas escolas fazemos o possível pra tornar
os locais públicos acessíveis à todos”. Conforme informou a Secretaria, com
relação ao meio urbano, há um órgão responsável pela Fiscalização e Divisão de
Planejamento Físico e Territorial, ligado à Secretaria de assuntos das
financas, que é responsável por fiscalizar todas as obras particulares, pois
todas devem estar de acordo com as normas da ABNT. O Órgão Executivo de Trânsito
e Transporte, que é uma Autarquia responsavel também pela segurança pública e
Guarda Municipal, não foi mencionado nas entrevistas. Portanto, percebe-se que não
existe coordenação nas políticas municipais de mobilidade urbana, estando estas
submetidas a diferentes secretarias e órgãos da administração indireta, com
outras funções de interesses, muitas vezes, concorrentes, dificultando assim, o
desenvolvimento de políticas e planos mais abrangentes.
4.4.1 Estudo de caso para contextualização
do estudo: Escola Básica São Cristóvão
Segundo a Coordenadora da
Educação Especial da Secretaria de Educação da Cidade de Criciúma – SC,
atualmente estão matriculados cerca de quatrocentos alunos com deficiência
apenas na rede municipal de ensino. Na Escola Básica São Cristóvão, situada no
Município de Criciúma, mas pertencente à rede estadual de ensino, estão
matriculadas 72 crianças com deficiência. Diariamente, várias crianças de
municípios próximos locomovem-se dezenas de quilômetros para chegar até a
pequena escola. Não por acaso, a Escola São Cristóvão foi escolhida como escola
modelo para o presente trabalho. A explicação é simples: lá os alunos contam
com a presença de diversos profissionais especializados, materiais didáticos de
alta qualidade, um plano político-pedagógico que visa à inclusão de todos os
alunos que freqüentam a escola e o principal: um meio de transporte específico
para trazer alunos com necessidades especiais. Toda essa máquina de inclusão
social impulsionou os pais dessas crianças a matricular seus filhos em uma
escola distante de seus lares para que estes tivessem uma educação inclusiva,
igualitária, como garante o Estatuto da Criança e do Adolescente e preceitua a
Constituição Federal. Por estes motivos a escola foi escolhida para servir de
referência para as pesquisas, como um estudo de caso, a fim de fornecer
elementos que possam elucidar a problemática e, posteriormente dar suporte ao
desenvolviemnto do projeto-piloto a ser colocado à disposição pra replicação
para a rede municipal de ensino.
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RESULTADOS PRELIMINARES
Após análises do escopo
legal é possível aferir que o Brasil é abastado de leis, tratando o sujeito
como cidadão, ou seja, alguém que tem seus direitos reconhecidos pelo Estado.
Destarte, trabalhos científicos anteriores e a experiência empírica apresentam
um panorama prático de como a escola, representante concreta do sistema
educativo, bem como as políticas de mobilidade e a acessibilidade urbana, vem
consolidando tais Leis. Nestes resultados a realidade consolidada não condiz
com o preconizado pelo escopo legal em muitos aspectos. Portanto, é premente
que:
a promoção de políticas
públicas para garantir o direito de ir e vir a todo cidadão deve compreender as
variáveis que elucidam as condições socioeconômicas, culturais e de apropriação
do espaço pela população e as suas inter-relações, de forma a incluir todo
cidadão nas facilidades de acesso à cidade. (GONÇALVES; ROTHFUß; MORATO, 2012,
p.14)
Os resultados das pesquisas realizadas no estudo de
caso mostram que as crianças e adolescentes que estão integrados com as turmas
do ensino regular têm expectativas positivas com relação ao futuro; querem
continuar estudando, de maneira nenhuma pretendem parar. Diversos alunos
que já estudaram nesta escola fazem faculdade e alguns alunos que já estão no
ensino médio e frequentam o reforço à tarde e já estão inclusive se preparando
para o vestibular. Porém, das 24
escolas da rede municipal onde já foram feitos os cadastramentos 24% recebem
atendimento educacional especializado. Do total, 14% dos alunos estão na educação
infantil, 62% nas séries iniciais e somente 23% chegam ao ensino médio,
confirmando a tendência dos números do IBGE, de que existe diferença na inclusão
de crianças e adolescentes com deficiência no sistema educacional. Conforme as
pesquisas, a eliminação das barreiras que impedem o livre movimento nas cidades
é fator primordial. Portanto, a garantia dos direitos fundamentais ao
desenvolvimento individual, demanda a proposição de políticas públicas, de
forma a efetivar o que já está cristalizado no escopo legal brasileiro.
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