segunda-feira, 7 de outubro de 2024

AUTONOMIA DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO

 Autonomy of the municipal education system

Maria Helena

 Percebo a busca com tanto afinco pela autonomia, em todos os seus aspectos, porém quando um município em que constitui em sistema de ensino, possui tanta dificuldade em tentar desenvolver seu trabalho, dentro de seus limites, com base em suas leis e normativas, não faz um esforço político para acertar, é muito estranho.

Reconheço e possuo posts que tratam das questões de ordem culturais e políticas que “cristalizam” o processo, emperram, de fato. Contudo, gerenciar a educação de um município, cabe ao administrador, além do seu perfil de liderança, se pautar em conhecimento acerca de sua seara, pois isso lhe concede o certificado de autoridade.

Respeito, com certeza, a ideia de que se espelhar na forma como seu estado administra a educação valida as ações de um município, haja vista que, por muito tempo, havia uma subordinação, inclusive do conselho de educação municipal ao estadual. No entanto, com a Constituição de 1988 e a LDB, 1996, penso haver um tempo suficiente para tentar se apropriar do que aconteceu.

Vejamos, artigo 8º da LDB: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.” Assim, fica evidente que o Brasil não possui um sistema federal de educação, mas regimes de colaboração. E como autonomia não é sinônimo de soberania, existe o MEC, cujo papel é a elaboração das políticas nacionais de educação, entre outras atribuições, como também existe o Conselho Nacional de Educação.

Diante ao exposto, voltamos `a LDB, competência do estado, entre outras, em seu inciso V: “baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;”, portanto, para o seu sistema, se determinado município não possui nenhum regime de colaboração, arranjo, cooperação, não deverá seguir essas normas. E se desejar seguir, deverá observar o que confere o RI do CME, para saber das possibilidades e, assim criar uma resolução posicionando-se publicamente naquilo que o Sistema de educação está seguindo. E o município, Art. 11, LDB, os Municípios incumbir-se-ão de, entre outros, “organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados; [...] baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;”.

Observe que chegamos a um Regimento Interno de um Conselho Municipal, portanto vejam, ao alinhar as normas e leis há um longo caminho que inicia pela CF 1998, passando pela LDB, Constituição Estadual, Lei Orgânica, Lei do Sistema de Educação/Ensino, normativas emanadas do CME, observe conselho não legisla, como pertence ao executivo, normatiza. Ainda temos outras leis federais, acessibilidade, ECA, código civil, e até de defesa do consumidor, não somente pelas escolas privadas. Vejamos uma situação que muito incomoda os gestores da educação, diz respeito à LDB e ao ECA. Inciso V, artigo 11, LDB – “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.” Prioridade? Ensino fundamental, certo? Lembrando que a obrigatoriedade escolar no Brasil é de 4 a 17 anos. Vamos ao ECA: artigo 54, “§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola”. No mesmo artigo, inciso IV – “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;”. Não trouxe a questão da acessibilidade à informação, arquitetônica, crianças que necessitam de um ensino diferenciado, pois é direito subjetivo, constitucional direto à educação escolar.

Como atender as crianças de 0 a três anos de idade, se não pode criar critérios para dizer quais podem e/ou devem frequentar a creche, sendo o número de instituições insuficientes para acolher a demanda? Esse é apenas um assunto.

Neste imbróglio, de que se trata da educação escolar brasileira, onde frequentemente se cai na polêmica e não em buscas de soluções, os anos vão passando e poucos têm a coragem de descascar a “batata quente.”  De que vale a democracia, a gestão democrática, o número exagerado de conselhos, se a maioria que faz parte dos mesmos não optou por estar ali e não há um investimento do poder público em oferecer formação para estes conselheiros e gestores escolares.

O ambiente escolar, ocupa muito mais que a sua estrutura física, seu papel social alterou muito de um simples lugar de ensino, treino para um a compreensão ampla de educação. Não entrarei no mérito do assunto, pois possuo posts neste mesmo Blog.

Voltando ao tema, entendo ser difícil, e não complexo, quando entendemos todos os elementos que compõem a estrutura de um sistema. Não utilizar determinado município como modelo, pois este possui as suas peculiaridades, a sua história. É tempo de reescrever as memórias, estudar as possibilidades, trazer para a atualidade as leis de Sistemas dos anos 2000, 2007, 2013, etc... Verificar as Emendas Constitucionais a partir do ano 2000, e as atualizações da LDB e criação de leis federais que incidem diretamente na educação escolar, sobre as quais os conselhos de educação devem normatizar.

Lembrar a todo tempo que a autonomia demanda conhecimento, não se pode utilizar leis e normas de outro sistema sem que se assuma, isto respeitando as normativas internas e documentando por meio de atas, com assinaturas, datadas, arquivadas, não podem estar em palavras “soltas”, e-mails, WhatsApp. Enfatizando aqui, também, as leis da informação e da transparência. Foi o tempo que um livro de capa preta ostentava para alguns privilegiados as decisões, portanto, políticas, assumidas por tal Rede e/ou Sistema e/ou Conselhos.

A cada início de ano muitos gestores assumem secretarias de educação. Lembre-se, você trabalha para um projeto de educação e não para um partido político. Vamos dar mais um passo para concretizar a autonomia de que nós tanto discursamos.   


A necessidade e importância do silêncio pensante

    Maria Helena

         De acordo com o Módulo 10 (2020) do curso de Psicanálise Clínica, o silêncio é a forma de resistência mais nítida e frequente que encontramos na prática psicanalítica. Assim, também como trata da importância da linguagem na identificação do outro.

       Neste viés, este texto se debruça, no sentido de confirmar que a linguagem possui em si o próprio silêncio, pois é a comunicação por signos, sinais.

      Estranhamente a expressão “escuta de silêncios” para mim é linda e, ao mesmo tempo, difícil, porque não fomos nem educados para ouvir o que o outro diz, normalmente esperamos a vez de falar. Assim, ouvir os ruídos externos só percebemos se, de alguma forma, eles nos afetam, quer por ser um som e volume que atrapalhe em nossos afazeres, quer um som que nos proporcione um bem-estar. 

       O texto de que trata do tema ainda indica: o silêncio é, assim, uma forma de intervenção do analista, que pode ser tanto passiva, quanto ativa, é uma ferramenta. Portanto, cabe ao analista observar-se, saber se consegue ouvir, perceber os tipos de silêncio para poder intervir. (MÓDULO 10, 2020)

        Mello (2021) adverte que o diálogo não acontece somente com palavras, pois se presume saber que o silêncio constitui a comunicação, porque é uma maneira de expressão. Silêncio é linguagem e intercala a conversação. No diálogo estão imbricados períodos de repouso e, também, momento de reflexão. A linguagem reduz, limita, pois não abrange certos sentidos, por vezes entendendo o silêncio como uma não linguagem. Assim, o silêncio não é um calar-se, e é sim um jeito de fala. O silêncio representa um limite das palavras, um espaço vago e, neste lugar, a imaginação dos sujeitos que estão se comunicando, podem criar possibilidades múltiplas.

         Na era das redes sociais, a comunicação é real, através de aparelhos, e são tantos os aplicativos, eu sei que existem, porém não utilizo, pois comunicam imagens, onde provavelmente o sujeito da selfie é assujeitado do sistema, portanto nem consegue refletir sobre sua vida e seu entorno.

     No citado cenário, quando conseguimos observar sem julgamentos e temos um olhar focado é possível perceber acontecimentos que, em princípio, parece banal, não natural. Pois para mim, natural é o que segue a natureza e aquilo que nossos olhos e ouvidos passam a se acostumar, se torna banal. Assim, ao ouvir o número de óbitos em acidentes de carro, determinada doença, inclusive a pandemia do COVID, as estatísticas tomam um lugar estratégico de anular as vítimas. Porque não ouvimos a realidade, mas um percentual aceito, pois foi previsto pela “ciência”. Uma observação focada tiraria a pessoa do lugar de assujeitado e um sujeito iria reagir, questionar, sentir a dor do outro. Por isso, o ouvir e o silenciar, na hora certa são provas que a pessoa está presente.

Coelho (2000) em seu Blog, apresenta: “Até o insensato passará por sábio, se ficar quieto, e, se contiver a língua, parecerá que tem discernimento. ” Provérbios 17:28. “Quem tem conhecimento é comedido no falar, e quem tem entendimento é de espírito sereno. ” Provérbios 17:27. Aqui observa-se que a espiritualidade tem um compromisso com o silêncio e estimula, inclusive a praticá-lo.

Pinheiro (2015) afirma que associado de forma banal à ausência da fala, o silêncio é, contudo, presença plena de significações: uma força complexa, que questiona a própria linguagem em seu uso social. Portanto, de fato, não conseguimos nem entender a comunicação por meio de silêncio, sendo uma ferramenta necessária para quem trabalha no aprimoramento de equipes, ou na função de um psicanalista.

Um fator importante e, por vezes, não nos damos conta é o poder do silêncio levar a pessoa a ter mais cautela, ser mais prudente em determinadas situações. Em contrapartida, pode ser usado para provocar, negar, censurar. E quando não se tem o que dizer, o silêncio diz tudo, desde que o interlocutor compreenda. É preferível ao não saber o que dizer, calar-se, do que falar em demasia, tentando comunicar algo que nem foi organizado internamente, em termos de pensamento.

No cotidiano, para desenvolvermos melhor a comunicação, é necessário não somente aprender um vocabulário mais rico, técnicas de fala, olhar o interlocutor nos olhos, é preciso reconhecer quando o silêncio deve fazer parte da comunicação. Silêncio não é escutar o outro, não é ficar quieto, obviamente isso é necessário para acolher o que o “outro” nos traz de informação, sem que eu contamine com os meus pensamentos, avaliações e críticas.

Escuta de silêncios, silenciar comunicando, ouvir a respiração do outro. Estar com a alma junto com o corpo, usar os sentidos, com o significado de conhecer o mundo, o interno e o externo. E se estamos com dificuldade em reconhecer os elementos do mundo externos, pois nos perdemos em conceitos, quando se trata da realidade, imaginem o acesso ao mundo interno, o inconsciente. Fico imaginando se o consciente sabe que deveria conhecer o inconsciente ou se assim está cômodo.

 

Referências Bibliográficas:

COELHO, Guilherme. 3 lições sobre o silêncio. (2020) disponível em: https://medium.com/@genevescoelho/3-li%C3%A7%C3%B5es-sobre-o-sil%C3%AAncio-4c7029b473e0. Acesso: 28/out./2021.

MÓDULO 10. Curso de psicanálise clínica. (2020).

PINHEIRO, Marina L.  M. Sobre silêncios e sua comunicação. Outras Palavras. (2015). Disponível em: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/sobre-silencios-e-sua-comunicacao/ acesso: 28/out./2021.

MELLO, Renato de. O silêncio faz sentido. (UFMG). Disponível em: http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_146.pdf. Acesso em: 31/out./2021