terça-feira, 8 de março de 2022

A psicopatologização das emoções no divã

                                                                            Maria Helena

                       

Partindo de estudos do Módulo III do curso de Psicanálise Clínica e contrapontos de outros autores, a descrição dos fenômenos ganham vida própria, balizados em conhecimentos científicos.

Em tempos de pandemia até os preconceituosos de renderam e estão procurando “tratar” de suas “neuras”, pseudônimo utilizado para designar algo de que, ainda, não possui nenhum diagnóstico. Contudo, sabe que está se distanciando do que se conhece como saudável.

A personalidade de um adulto vai se constituindo, a partir de sua interação com um objeto presente ou não, ou seja, algo cultural, histórico. Portanto, desta relação intersubjetiva onde vários elementos são contextualizados o sujeito, percebendo o seu entorno, o “outro”, percebe-se como um em SI, o EU que não é mais uma extensão da mãe/pais/cuidador/a.

Para Freud, todo sujeito passa pelo desenvolvimento psicossocial e esse possui fases: oral, fase anal, fase fálica, período de latência, fase genital. Em cada fase, a libido obtém mais satisfação em uma zona erógena diferente e o conceito de sexualidade, para o autor, vai além de sua definição relativa ao sexo. As fases não são estanques e nem lineares variando entre sujeitos, pois dependem das experiências subjetivas de cada sujeito. Cada fase pode deixar marcas permanentes, denominadas de pontos de fixação, onde o curso “normal” pode ser alterado porque certos conflitos podem se instalar. Desse modo, são gerados “pontos” nodais “que vão se fixar em determinado estágio e que serão retomados quando um período de crise (representação emocional) aparecer ao longo da vida da pessoa” (MÓDULO III, 2020, p. 10).

A Psicanálise é um método investigativo, método terapêutico ou clínico é, ainda, uma forma nova de abordar o ser humano, a cultura e a sociedade. Diante disso, explorar esses campos, do humano vivendo em sociedade, fomenta a cultura e dela se alimenta, significa que quando um sujeito vai para o divã, ele vai acompanhado de muitos elementos.

Domingues et al (2014) trazem importantes reflexões acerca do contexto em que vivemos, são rotinas organizadas pela sociedade, preenchendo todos os horários dos sujeitos, sendo a hiperatividade uma forte característica da atualidade. Essa agitação advinda pelo excesso de informações e ações não permitem que o sujeito possa apreciar seus próprios sentimentos, experimentar cada diferente emoção de um jeito saudável e, sim, da forma criada e formatada pela sociedade. Deve passar pelos sentimentos de forma padrão, sendo meio que obrigado a responder de forma elegante, alegre, desconsiderando suas reais emoções. Isso fica evidenciado nos próprios velórios se comparados há anos atrás. O luto sofrido, atualmente, o enlutado é encaminhado aos consultórios psiquiátricos e psicológicos, como se não devesse passar pela dor da perda.

A pandemia está sendo um fator preponderante para aumentar o número de   estados depressivos. O vírus, talvez esteja liberando a angústia, tristeza, frustração que muitos vinham sentido de forma isolada e passou e ser percebida de maneira generalizada, de massa. Talvez haja uma patologização das emoções, uma banalização de quadros que, em princípio deveriam ser observados como adaptação a um novo paradigma, um estresse natural e saudável, para uma percepção de um mundo doente, devendo esse ser medicalizado, não havendo amigos ou familiares com escuta acolhedora, existem sim os ansiolíticos, entre outros psicotrópicos.

Para trazer dados mais fidedignos seria necessária uma pesquisa quantitativa, por ser mais convincente neste mundo globalizado. No entanto, quando na atualidade designada pela ‘academia’ contemporânea, são tantas as teorias.

Guareschi et al (2021) trazem reflexões sobre a própria forma de pesquisa na área da psicologia, pois ter como indicadores: crenças, valores, motivações, nunca foi e nem como tem que ser, mensurada. Se a palavra de ordem da vez é pós-verdade, como entender a comunicação como um indicador, sendo as máquinas que fazem as leituras da maioria do material postado na internet. Os sentimentos percebidos por meio de uma conversa, onde dois sujeitos interagem, exclamam, riem, possibilita uma leitura além do que aparenta, pois está carregado de emoção. Assim, fora de um consultório, em que há um trabalho legitimado na escuta e observação, o cotidiano dispõe de whatsApp, facebook, entre tantos outros para curtir, compartilhar e por aí vai, literalmente, se expandindo, como efeito cascata aquilo que, alguém ingenuamente ou não, postou.  A espera de um like gera ansiedade, talvez quem curtiu faça desta ação uma rotina em partilhar, curtir todas as postagens de seus “amigos”.

Os referendados autores seguem suas reflexões no sentido de que a psicologia, atualmente, conta com uma potente ferramenta em questão de pesquisas quantitativas, o enorme número de informações a que se tem acesso para poder triangular dados de todas as formas. Porém, difícil se aproximar de um perfil fidedigno do sujeito que está disponível para o mundo, literalmente.

Ao desenvolver os argumentos no sentido de diálogo entre os autores aqui explanados é possível verificar que, na atualidade, não é presumível ter uma verdade absoluta sem que seja contextualizada. A realidade não representa a todos, pois nem sempre o que aparenta é aquilo com o qual o sujeito se identifica.

 Para uma apresentação didática de fatos, teorias existem fases, períodos, contudo nunca podem ser estudados generalizando-os de forma estanque, ou com um ponto final.

Votando à visão psicanalítica de Freud, as diferentes formas de organização psíquica não são, em princípio, patológicas, essas possuem suas características, devendo ser estudadas cuidadosamente para não enquadrar o analisando em uma “patologia” e fragmentá-lo de si e da sociedade.

Diante ao exposto, a própria patologia cunhada nos manuais médicos, ao serem estudadas e comparadas ao paciente, para enquadrar neste ou naquele diagnóstico, deve estar muito claro para que não sejam simplesmente prescritos uma série de medicamentos, sem ao menos ouvir, sem estereótipos o que o paciente sente, sofre e percebe de si mesmo. A variação, as fronteiras de cada patologia devem ser ampliadas. O profissional deve estar sempre atento às pistas do seu paciente, deve também levar em consideração o contexto em que o sujeito vive, sua cultura em todas as suas nuances, fazer a leitura do não verbal, para poder errar menos em seu diagnóstico e prognóstico.

 

Referências bibliográficas:

MÓDULO III - curso de formação em psicanálise - psicanaliseclinica.com (2020)

DOMINGUES, Elzilaine; CAMARGO, Mendes T.; BARA, Viana O. Melancolia e depressão: um estudo psicanalítico. (2014) Disponível em: <SciELO - Brasil - Melancolia e depressão: um estudo psicanalítico melancolia e depressão: um estudo psicanalítico>. Acesso em: 15 de jul. 2021.

GUARESCHI, Pedrinho A.; AMON. Denise; GUERRA, André. E. Abrapso. Psicologia, comunicação e pós-verdade. Porto Alegre, 2019.