domingo, 13 de setembro de 2015

CURRÍCULO – DISCURSO, TEORIA E PRÁTICA


Maria Helena da Silva Meller
Julia Helio Lino Clasen

  De acordo com Sacristan, um dos curriculistas mais estuados, “o currículo é fonte de experiências, mas estas dependem das condições nas quais se realizam”. (SACRISTAN, 43).
Constato, por meio de observações e conversas com docentes que, na prática, esse campo se estabelece confuso, mais pela falta de uma visão política de gestão do que por questões teóricas.
Para Sacristan (2000):

Desde o momento em que, nos sistemas educativos modernos, o conteúdo se converteu num elemento de primeira ordem para fazer da educação a etapa preparatória dos cidadãos para a vida adulta, respondendo às necessidades do sistema produtivo, a pretensão eficientista será uma preocupação decisiva nos esquemas de organização curricular como valor independente. (p. 44).

É comum ouvir, no meio educativo, sobre a importância do território, do espaço social e cultural dos sujeitos, na discussão curricular, por conta disso, vários são os olhares, antropologia, didática, psicologia, sociologia...
Familiar, também, são as críticas às universidades que formam os profissionais da educação. Não obstante, segundo Tardif (2004), o período em que o docente cursa a licenciatura, mesmo seguida de especialização, não são suficientes para a desconstrução, reconstrução de conhecimentos reais à uma prática necessária ao contexto escolar atual.
Vinculando a isso, a formação do docente universitário que, por vezes, não conhece uma escola a não ser teoricamente, por meio de suas observações e entrevistas para suas pesquisas. Longe de estar em sala de aula, diferente de ensinar adolescentes e crianças de verdade, reais. O adolescente demonstrado é teórico. São apresentadas teses, artigos científicos que tratam do assunto.
Abordar a questão currículo, para não permanecer em um aspecto puramente teórico, há que se trazer para o contexto seus atores e autores. No dizer de Sacristan (2000) “O que a realidade educativa e o currículo colocam são problemas práticos, porque a educação ou o ensino, são antes de tudo, uma atividade prática.” (p. 47).
É no espaço escolar que o currículo ganha vida por meio das aulas, das atividades, das atitudes dos envolvidos. Assim, ao questionar projeto pedagógico, rotinas, metodologia e avaliação praticadas, está se interrogando a concepção de currículo e o que se espera da prática docente daquela instituição. “O questionamento e a falta de autonomia afeta a todos aqueles que participam nas práticas curriculares, especialmente os professores e os alunos. (SACRISTAN, 2000, p. 48).
Evidente, a escola fazendo parte de um sistema não é soberana “[...] não existe sistema educativo que não intervenha sobre o currículo, e é difícil pensar que isso possa ser de outra forma.” (SACRISTAN, 2000, p. 44).
O Brasil, recentemente apresentou por meio da Resolução n. 4, as Diretrizes Curriculares Nacionais, muito bem fundamentado em seu Parecer n. 7. No entanto, questiona-se os docentes do conhecimento de tal discussão, assim como muitos gestores, e a resposta é muito vaga. Mesmo estando em movimento a discussão do sistema de ensino, em nível nacional, com a Base Nacional Comum, fica evidenciado, por pesquisa de cunho exploratório, que o conhecimento é insuficiente para minimizar a distância entre o pensar e o fazer
Tratando deste viés, Sacristan (p. 45, 2000) é contundente:

O gestor pensa, planeja e decide; o operário executa a competência puramente técnica que lhe é atribuída, de acordo com os moldes de qualidade também estabelecidos externamente ao processo e de forma prévia a essa operação. A profissionalização do operário e do professor na transferência metafórica consiste numa prática “normalizada” que deve desembocar, antes de mais nada, na consecução dos objetivos propostos, definidos logicamente com precisão.

Paulo Freire (1996) referência em educação, reafirma a necessidade de o ato de ensinar deve partir da realidade. Contudo, há se compreender a qual realidade se refere para não se cair em outra armadilha. Ainda, que “partir é um verbo”, portanto, ação de sair e não permanecer. Realidade cognitiva, conhecimento prévio. Realidade sócio cultural, valores, sentido.
Para uma abordagem curricular estar em pauta, necessita perceber o que se deseja de um grupo, em um determinado espaço de tempo, ainda, lidar com questões que tornem tal expectativa legitima.
Deste modo, nova contribuição de Sacristan (2000, p. 51), “A perspectiva prática sobre o currículo resgata como âmbito de estudo o como se realiza de fato, o que acontece quando está se desenvolvendo.”
Neste sentido, ratifico o início do texto, posicionamento político da instituição diante da realidade apresentada. Como esperar que o docente, em um período designado, (ano, semestre) desenvolva conteúdos curriculares determinados, partindo do conhecimento prévio, quando o currículo oculto está mais gritante que os oficiais? Ensina-se para o mundo adulto e suas contradições ou para o agora destes estudantes? O básico? Todavia, básico partindo de qual referência?
“A preocupação pela prática curricular é fruto das contribuições críticas sobre a educação, da análise do currículo como objeto social e da prática criada em torno do mesmo.” (SACRISTAN, 2000, p. 47).
Esse objeto de pesquisa é a prática no chão das escolas. Espaço do ensino, neste sentido, Freire (2008) reafirma que o ato de ensinar é um ato político. Pois se posiciona, toma-se atitudes. Ensinar exige rigorosidade e ética, portanto uma ação intencional.
Para se sair do discurso, sem ficar em uma ilha teórica e fundamentar uma prática, talvez não seja fácil, mas seja simples, abordar o currículo e estabelecer com ele uma relação de parceria e não de conflitos.

Referências

SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis. Vozes. 2004.

FREIRE. Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.