quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Em nome da atenção flutuante: análise de práticas

                                                   Maria Helena

                   Um analista deve escutar pautado em três objetivos: (1) traduzir as produções do paciente para seus antecedentes inconscientes. (2) Os elementos inconscientes devem ser sintetizados em introvisões inteligíveis. E (3) as introvisões obtidas devem poder ser comunicáveis ao paciente.  O analista deve escutar com atenção flutuante e cabe a ele lembrar dos dados importantes, se o analista presta atenção e se o paciente não está despertando as reações transferenciais do próprio analista.  A atenção não-seletiva, não-direcionada, irá governar as próprias tendências especiais e irá permitir ao analista acompanhar a conduta do paciente. (Psicanálise Clínica, 2020)

Ainda de acordo com o devido material, a atenção flutuante é uma técnica e coaduna com o método psicanalítico, na medida em que se espera uma disponibilidade psíquica do analista na qual a escuta acompanhe as associações do analisando.  Recorre-se aos sonhos, atos involuntários e não planejados, atos sintomáticos, equívocos em suas realizações na vida cotidiana. 

 A atenção flutuante é a ação de recusa de meios de apoiar o analista no registro de um conteúdo específico, caracterizado justamente por não se memorizar nenhum material em detrimento de outro. Ainda, através da técnica da atenção flutuante o psicanalista se distancia de uma tentativa de compreensão do discurso do paciente pela via puramente intelectual. (Psicanálise Clínica, 2020)

Para Bartolomeu (2019), a atenção flutuante exige do analista sustentar a posição de não saber de antemão o sentido da fala do paciente. É um esforço de não levar compreensões pré-construídas para as sessões e tomá-las como um filtro através do qual irá escutar a fala do paciente. O resultado disso é que o analista se torna mais disponível para o reconhecimento das manifestações do inconsciente. O método psicanalítico e atenção flutuante conjugam um aporte metodológico e técnico de base para o trabalho do psicanalista, porque são os causadores iniciais, e necessários, para que uma experiência analítica possa acontecer. Portanto, não basta um diploma de conclusão.

Até compreendo que Freud não utilizava registro escrito, em suas sessões de psicanálise, porém  deve-se trabalhar da forma mais honesta, aberta com o analisando, assim anotar ou não irá depender da metodologia empregada pelo analista. Entendendo método para além da técnica.

Sendo a entrevista um dos momentos fundamentais do processo terapêutico, existe a necessidade do registro escrito, durante as sessões, a atenção flutuante deve ser compreendida de tal forma que não se caia nas representações sociais do analista. Ainda, como confiar na memória? Pois irá memorizar aquilo lhe é importante, e não arrisca cair em suas próprias resistências, projeções? 

 O analisando deve confiar, perceber que há valorização em sua história. há uma relação comercial, porém até nestas existem cursos para a acolhida, para o cotidiano. Não são amigos, todavia, o par analítico convive a partir de um objeto. Não havendo passividade e nem linearidade nesta relação. Creio em uma atenção de presença, sem julgamentos.

Claro está que o analista não deve de antemão julgar, pressupor, diagnosticar, sem obter todos os elementos necessários, ainda a própria análise por si, possui um elemento fundamental e filosófico, pautado na dialética, ou seja, movimento. Embora o material recalcado seja e esteja ali, a maneira como se acessa a ele, não é possível um planejamento rígido, à priori, por parte do analista. Portanto, a atenção flutuante serve para o analista ter, em sua consciência, essa percepção o tempo todo.

O analista faz devolutivas ao analisando em forma de questionamentos, partindo das comunicações verbais, corporais, silêncios. Para tanto, a atenção a todos estes sinais, pistas valem para serem investigados, até onde está uma resistência, um sintoma, uma possível causa daquele sofrimento humano.

Também sobre a atenção flutuante, é possível se pensar na neutralidade, como a balança da justiça, porém quando se trata de acompanhar um ser em sua busca íntima, consciente-inconsciente, a definição de neutralidade, deve ocorrer como um átomo neutro, estudado em química e não como a neutralidade política, altamente controversa. Pode ocorrer sobre um conceito de autocontrole, de estar dominando, dirigindo a sessão, de acordo com os passos do paciente/analisando, consciente das próprias resistências e projeções, por parte do analista.

Referências Bibliográficas:

BARTOLOMEU, Gabriel. O método psicanalítico e a atenção flutuante. (2019). Disponível em: https://www.aprendimentosclinicos.com/single-post/2019/06/17/ometodopsicanaliticoeaatencaoflutuante. Acesso: 04/nov./2021.

MÓDULO 09. Práticas e procedimentos em clínica psicanalítica. Curso de psicanálise clínica. (2020)

MÓDULO 11. Processos de resistência e transferência. Curso de Psicanálise Clínica. (2020)


Análise de “Práticas e Procedimentos em Clínica Psicanalítica”

 

                                                               Maria Helena

“A psicoterapia é um valioso recurso para lidar com as dificuldades da existência em todas as formas que o sofrimento humano pode assumir [...].” (MÓDULO 09, 2020, P. 05) E isto não pode ser apenas uma frase bonita, que chamou a minha atenção. É profundamente uma percepção do que vem a ser os momentos que a psicoterapia pode favorecer de mais humano para uma pessoa que está com um sofrimento causado por suas emoções.

“A boa terapia se desenrola num enquadre clínico com um vínculo que favorece este processo. Aí está um dos segredos desta arte: criar um ambiente que permita a revelação dos mundos internos e favoreça o desenvolvimento do processo singular de cada um. ” (MÓDULO 09, 2020, P. 10). Percebe-se que não é qualquer profissional ou ambiente que conseguirá fazer com que um paciente, cliente, analisando, enfim uma pessoa se sinta tão à vontade, ao ponto de expressar sua mais profunda dor.

De acordo com o Módulo 09, a base de uma boa terapia está na relação terapêutica, quando se desenrola em uma harmonização cujo vínculo favorece o processo. Sendo um elemento fundamental, portanto, o ambiente pois deve possibilitar que o mundo interno do analisando consiga emergir, ainda beneficiando o desenvolvimento da dinâmica da singularidade individual. Nesse clima, é possível ao ser mais oculto e amedrontado se mostrar, ser ouvido, transformar-se.

Nesta acepção, Weffort (1995) afirma que só é possível olhar o outro e sua história se temos em nós uma abertura de aprendiz que estuda a própria história. Assim, a ação de olhar é um ato de estudar a si próprio, a realidade, à luz da teoria que inspira.

No sentido da atenção, a contribuição vem da filósofa Simone Weil que afirma ser esta a mais alta forma de generosidade. O método para compreender os fenômenos, portanto, seria olhá-los até que irrompa a luz, sem qualquer forma de interpretação e nem um apego. (BOSI, 2003).

Weffort (1995) assevera que nossa educação não permitiu olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos e este olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira, entre outras características onde supõe-se ver o que não é real, mas o que se deseja ver.

Em uma entrevista, ou sessão de terapia é necessário estar aberto ao que o outro traz de mais sagrado, a sua história. Assim, para Weffort (1995) a concentração do olhar inclui escuta de silêncios, inclusive os ruídos na comunicação, que podem ser inclusive do psicoterapeuta.

Pelos estudos, um momento fundamental da psicanálise é a entrevista, entendida como o estudo da alma do analisando, e, se difere muito do preenchimento da ficha de anamnese.

Assim, o espaço psicanalítico é o ambiente de ouvir, no entanto, vale pensar se sabemos de fato, escutar o outro na sua história.

No dizer de Weffort (1995) o ver e o escutar fazem parte do processo da construção do olhar. E frequentemente não ouvimos o que o outro nos diz e sim se escuta aquilo que se gostaria de ouvir, e se imagina aquilo que o outro estaria tentando comunicar, porque não se parte de sua fala, porém de uma fala interior. É muito sério isso de produzir um monólogo. Pois o di-álogo, são dois.

Outro item importante para este ambiente acolhedor da entrevista é o olhar, que para a supracitada autora, atualmente se possui um olhar estereotipado, parado, querendo ver só o que nos agrada, o que sabemos, assim reproduzindo um olhar de monólogo, um olhar e uma escuta dessintonizada, alienada da realidade do outro.

Ver e Ouvir demanda implicação, entrega ao outro. Estar aberto para vê-Io e/ou ouví-Io como é, no que diz, portanto, exige um sair de si para ver o outro e a realidade, segundo os pontos de vista e hipóteses do outro e não da sua.

Diante ao exposto, demanda ao psicanalista um estudo minucioso de si mesmo, se possui tais características, porque não é um exercício fácil. Principalmente depois de adulto, quando este especialista não conseguiu em seu processo de psicanálise, como analisado, ter percebido suas fragilidades de conviver em grupo, por arrogância ou autoritarismo, ou algum sentimento que o impeça de uma convivência harmoniosa.

O espaço em que se ocupa em uma sessão de psicanálise, não é apenas o físico, tempo, há emoções, sentimentos, então para buscar, conversar, tocar no outro, na sua ferida que faz parte da comunicação, por meio das associações que o analisando faz, assim importa que o psicoterapeuta reconheça o seu agir durante este rico espaço.

 

Referências bibliográficas:

BOSI, Ecléia. A atenção em Simone Weil  - Artigos originais  Psicol. USP – 2003. SciELO. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-65642003000100002 . Acesso 15/out./2021

WEFFORT, Madalena Freire. Observação, Registro, reflexão: Instrumentos Metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico. (1995)

MÓDULO 09. Clínica psicanalítica. Psicanálise clínica. (2020)