quinta-feira, 20 de abril de 2023

A Representação Social em um setting psicanalítico

                                                                 Maria Helena                                                     

            "Somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos e os impulsos a que cedemos”. (Sigmund Freud)

 Toda pesquisa parte de uma curiosidade e esta nasceu de um cenário propício ao encantamento da procura, do incômodo do querer buscar respostas. Estudar o homem, necessita compreendê-lo sob vários aspectos, pois é um ser individual, social, histórico e cultural.

 Este artigo se debruça sobre os aspectos relevantes estabelecidos na comunicação acontecida em um setting de psicanálise, tendo como seu objeto a representação social.

Embora haja muitas produções sobre a comunicação, a relevância deste tema não se esgota, devido a psicanálise atualmente estar presente em todas as classes sociais, econômicas e culturais, ainda ser analisada à luz da representação social em seu espaço íntimo analista-analisando.

   Os seres se comunicam de variadas formas e os humanos, por sua vez, possuem sua maneira específica.

   Não pode haver dicotomia entre um significante e o significado na comunicação, principalmente no aspecto conceitual, porquanto nem todo termo utilizado por um comunicador é compreendido por outrem, da mesma forma. Há um viés inédito e original neste texto, pela ênfase social, em um eixo que, por vezes, é compreendido na individualidade do e no analisando. Objetivo geral: Contextualizar o papel da Representação Social como elemento na comunicação em um setting de psicanálise. Específicos: Analisar o conceito de Representação Social; Compreender o contexto analista-analisando (setting); Especificar os elementos da comunicação em psicanálise.

   Para construir um tema é necessário se pautar em conhecimentos construídos anteriormente decorre e, por vezes, “no entrecruzar-se de muitos assuntos se pesca o peixe que se procurava”.  (MARQUES, 2001, p. 100).

  É uma pesquisa quanti-qualitativa, porque essa parte de levantamentos exploratórios na internet, para a indicação dos objetivos e firma-se na pesquisa bibliográfica.

1. Representação Social

 “Representações adquirem vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem”. O movimento faz parte do cotidiano, devido o ser humano, refletir pensar e buscar respostas. (MOSCOVICI, 2011, p. 41).

As Representações Sociais são um conjunto de crenças e saberes socialmente construídos e partilhados, saberes esses que nos permitem pensar, falar, tomar decisões, nos apropriarmos do mundo e dar-lhe sentido.

 Para Jovchelovitch (2008) a representação possui em si dimensões que são entendidas na complexidade e complementaridade no viés ontológico, epistemológico, social, cultural, histórico e psicológico. Em razão do ponto de vista do fenômeno, formam um sistema, estão interligados.

  Partindo dessa visão, não há como considerar isoladamente cada item designado, porque a sua razão de ser se encontra quando o colocamos em um continente para poder compreendê-lo. Ao mesmo tempo que a ciência é feita de homens para os homens, não é um constructo de seres refratários ao seu meio.

Continua Jovchelovitch (2008) indicando que a compreensão daquilo o qual as pessoas que comungam da mesma forma de comunicação, acontece por construírem os mesmos significados para os significantes. Porque suas relações concretas em grupo e no individual compartilham da cultura, da história, em suas relações sociais, produzem e reproduzem, o que lhe é simbólico, seja físico ou abstrato.

Para a referida autora o processo da representação social permite que um ser se perceba e se represente, possuindo, assim, a identidade. Promove a percepção objeto-mundo, também, na intersubjetividade possibilita a constituição histórica e cultural

Não há como negar que um conjunto de seres humanos comungam de crenças, valores, linguagens, símbolos para que se identifiquem e haja uma suposta segurança do pertencimento. Uma sociedade sem indivíduos que não reconheçam a sua história e, com ela, não se identifiquem, podem causar vários problemas ao grupo, e tornando esse, vulnerável.

Portanto, parte-se da prerrogativa, que os símbolos devem ser de conhecimento de todos, para que haja colaboração. Fato, assim, se entende também, que a qualquer ciência para poder estudar esses grupos, não pode isolá-los nem do seu contexto, isto é micro e, muito menos, de um nível macro.

Durante uma sessão de psicanálise se entrecruzam materiais, os quais devem ser observados com muita cautela.

2. O Setting: Minha História, Tua História

 Falar em Freud é tratar de psicanálise e lembrando essa, é indicar a associação livre que é a técnica utilizada para o desenvolvimento do objetivo da mesma.

É papel da técnica associação livre favorecer um vínculo entre analista e analisando, com a finalidade de compreender os processos reprimidos pelo subconsciente do paciente. Pois quando esse procura a psicanálise, está em busca de que seu sofrimento seja suprimido. Os recalques podem estar gerando seus sintomas como a angústia ou a ansiedade, mas precisa-se, também, lidar com os mecanismos de defesa.

  Para Oliveira (2020) os mecanismos de defesa surgem enquanto estratégias, para proteção da pessoa, para que a mesma consiga se manter sem sofrimento, sem o contato frequente com aquela demanda que está em seu inconsciente e se chegar ao consciente, lhe causará muito sofrimento.

     Segue a referida autora de que tais mecanismos são mobilizados frente a uma situação indicada como perigo, ou seja, reviver fatos, mesmo em memória que são dolorosos no qual o sujeito não está preparado para suportar. Portanto, permitir ao analisando que o mesmo se autoconheça, se preparando para encontrar os tais traumas é uma função da psicanálise.

Ao iniciar o tratamento pelas sessões de psicanálise, a técnica, a proposta de associação livre é comunicada ao analisando, porém esse não tem a obrigatoriedade em entendê-la e cumpri-la. No entanto, faz parte da ética humana e profissional do psicanalista conhecer e compreender a psicanálise em suas nuances para poder desenvolver um trabalho capaz de minimizar os sofrimentos e/ou "curar" o analisando.

 O tratamento analítico tem como base a comunicação entre analista e paciente. Parte-se do pressuposto que as comunicações do paciente, por meio de sua liberdade de fala, permitem a emergência de seus conteúdos inconscientes, podendo ou não, possuir um significado de acordo com a escuta e a interpretação efetuadas do analista.

      É intrínseco à psicanálise a própria forma de comunicar-se, porquanto analista e analisando, são tocados em suas mais intimas condições, por isso a importância da percepção da transferência.

      Para a psicanálise, em seu método de tratamento, Freud deixa a herança de que no ato de comunicar, o analista deve estar bastante atento à associação livre elaborada pelo analisando, durante uma sessão de análise. Portanto, cabe ao analista instruir o seu analisando para dizer tudo o que vem à mente, mesmo que lhe pareça uma bobagem. (MELLO, 2017)

 Para Freud as comunicações verbais do paciente são fundamentais, uma vez que era a partir dessas comunicações, e da escuta do analista, que o significado latente dos sintomas poderia ser revelado. Os sintomas, ao mesmo tempo em que mantem secretos e inacessíveis certos pensamentos e sentimentos, comunicam de modo distorcido, cabendo ao analista colocar-se disponível para acolher tais comunicações. (MELLO, 2017)

      Claro está que o analista não deve de antemão julgar, pressupor, diagnosticar, sem obter todos os elementos necessários, ainda a própria, análise por si, possui um elemento fundamental e filosófico, pautado na dialética, ou seja, movimento. Embora o material recalcado seja e esteja ali, a maneira como se acessa a ele, não é possível um planejamento rígido, à priori, por parte do analista. Portanto, a atenção flutuante serve para o analista ter, em sua consciência, essa percepção o tempo todo.

Toda a prática na vida de um sujeito decorre de uma teoria, sendo um processo intrínseco teoria e prática são movimentos dialéticos. Assim, é uma atividade, condição humana, portanto social.

O analista faz devolutivas ao analisando em forma de questionamentos, partindo das comunicações verbais, corporais, silêncios. Para tanto, a atenção a todos estes sinais, pistas valem para serem investigados, até onde está uma resistência, um sintoma, uma possível causa daquele sofrimento humano.

“A psicoterapia é um valioso recurso para lidar com as dificuldades da existência em todas as formas que o sofrimento humano pode assumir [...].” (MÓDULO 09, 2020, p. 05).

E isso não pode ser apenas uma frase bonita, que chamou a minha atenção. É profundamente uma percepção do que vem a ser os momentos que a psicoterapia pode favorecer de mais humano para uma pessoa que está com um sofrimento causado por suas emoções.

“A boa terapia se desenrola num enquadre clínico com um vínculo que favorece este processo. Aí está um dos segredos desta arte: criar um ambiente que permita a revelação dos mundos internos e favoreça o desenvolvimento do processo singular de cada um”. (MÓDULO 09, 2020, p. 10).

Percebe-se que não é qualquer profissional ou ambiente que conseguirá fazer com que um paciente, cliente, analisando, enfim uma pessoa se sinta tão à vontade, ao ponto de expressar sua mais profunda dor.

De acordo com o Módulo 09 (2020), a base de uma boa terapia está na relação terapêutica, quando se desenrola em uma harmonização cujo vínculo favorece o processo. O ambiente é um elemento fundamental, portanto, deve possibilitar que o mundo interno do analisando consiga emergir, ainda beneficiando o desenvolvimento da dinâmica da singularidade individual. Nesse clima, é possível ao ser mais oculto e amedrontado se mostrar, ser ouvido, transformar-se.

 Uma ferramenta fundamental é a atenção flutuante durante um encontro no setting, e isto exige do analista sustentar a posição de não saber de antemão o sentido da fala do paciente. É um esforço de não levar compreensões pré-construídas para as sessões e tomá-las como um filtro através do qual irá escutar a fala do paciente. O resultado disso é que o analista se torna mais disponível para o reconhecimento das manifestações do inconsciente. E a comunicação é uma ferramenta fundamental.

3. Comunicação, objeto, representação

Quando determinado grupo se engaja em torno de um fenômeno, de algo que lhe é concreto, a representação social que constroem de cada elemento, à priori, possui um significado para os significantes. Assim, é necessário a todos a compreensão da leitura desses dados que conformam a sua rede de elementos.

    O diálogo não acontece somente com palavras, pois se presume saber que o silêncio constitui a comunicação, porque é uma maneira de expressão. Silêncio é linguagem e se intercala à conversação. No diálogo estão imbricados períodos de repouso e, também, momento de reflexão.

Em um espaço de conversação sobre o sofrimento de uma pessoa, muitos elementos emergem, daquilo que Freud denominou de psique.

   Para Oliveira (2020) entre as exigências do id e as censuras do superego, o ego sente-se pressionado, defendendo-se com o medo, em razão de não poder se desestabilizar. Assim, os mecanismos de defesa surgem, porém devem ser percebidos pelo psicanalista porque esses podem modificar a forma como o sujeito se percebe. Outra observação é que a demanda apresentada pelo analisando é uma representação deformada da realidade.

   Diante disso, a atenção ao objeto da análise, a percepção intima do sujeito sobre os seus sentimentos, como esse traduz os mesmos em forma da linguagem.

  A linguagem reduz, limita, porque não abrange certos sentidos, por vezes entendendo o silêncio como uma não linguagem. Assim, o silêncio não é um calar-se, e é sim um jeito de fala. O silêncio representa um limite das palavras, um espaço vago e, neste lugar, a imaginação dos sujeitos que estão se comunicando, podem criar possibilidades múltiplas.

 Nas diferentes formas de linguagem, pode estar simplesmente repetindo, imitando, pois a proliferação dos meios de comunicação de massa e o impacto de práticas globalizadas, em arenas locais, intensifica os embates entre formas diferentes de se conhecer, diferenciar o que é real e o que é fantasia. Em nível individual e no coletivo levanta questões sobre como comunidades locais se apropriam dos acontecimentos, fatos, imbricados por emoções individuais.

Ao exposto precisa-se verificar em que base está a ciência que faz a análise do objeto. Quando se afirma que pode ser a partir de uma visão racionalizada, não significa dizer que a ciência ganha notórios de certeza, mesmo quando de manifestação publicizada. Significa que a informação passou por um determinado crivo, porém não necessariamente represente um coletivo.

Jovchelovitch (2008) assevera que para perceber a comunicação deve-se abrigá-la na intersecção das ciências que estudam o homem.  A não ser que essa seja reduzida a um elemento da linguagem humana.

A comunicação humana acontece na ação, na prática social, não é um em si para si. Portanto, desejar analisar a linguagem enquanto produto humano, enquanto objeto, devem estar claros até a reparação em determinados recortes históricos. Portanto, para melhor apreendê-la, faz-se necessário contextualizá-la. (JOVCHELOVITCH, 2008)

Prova disso é o que, atualmente, vivemos diante de informações cujas fontes são ‘ocultas’. Se isso gera insegurança por indivíduos que conseguem ter uma ação reflexivas, outros podem consumi-la, ou seja, sentir-se amparado porque entende estar atualizado.

Nesse quesito importa ao sujeito-psicanalista, analisar o próprio entorno. Para que no setting, possa compreender a partir de quais indicadores o seu analisando traz as mensagens, toda e qualquer forma de comunicação.


Conclusão

Foi oportuno realizar a pesquisa, verificar as fontes comparar autores, datas e chegar a uma conclusão, mesmo que momentânea.

Para se possuir uma visão parcial e limitada de um objeto, basta ver o próprio como parâmetro e para explicar um dado contextualizado se deve abarcar seus múltiplos aspectos. Perceber o maior número de elementos que compõe um objeto, se faz necessário uma visão ampliada.

É determinante a percepção dialética do movimento como processo e produto humano ou do humano. Nesse olhar, a comunicação, enquanto objeto pode ganhar uma representação que não emergiu do coletivo de maneira cultural. Contudo, regida por interesses direcionados de grupos que não se identificam historicamente com seus contemporâneos. Portanto, a reflexão constante sobre o objeto é imprescindível. Algumas conclusões sobre o tema pesquisado são evidenciadas.

Com relação às representações sociais, essas são formadas em um constructo social, cultural de crenças, conhecimentos sendo partilhados por um grupo que com ele se identifica, portando percebendo um mesmo significado para determinado significante. Como é o caso da comunicação, porque emissor e receptor conhecem o mesmo signo para iniciar um diálogo.

  A sessão de análise ultrapassa o par analítico, pois muitos outros elementos por ali transitam, entre eles: duas histórias com os seus referenciais, são sentimentos, emoções, sofrimento. De outra parte, permeado de emoções, existe uma expectativa do conhecimento daquele que conduz a sessão, no caso o analisando, uma vez que o psicanalista estará focado na associação livre que o analisando elabora. (setting).

O psicanalista cumpre o papel de ouvir sem julgamentos, com a atenção aos detalhes, porém sem estereótipos, não pressupor um diagnóstico, e não ser tendencioso norteando a análise de acordo com o próprio ego. Não deve ouvir o analisando pensando em encaixar os sintomas, as emoções em uma patologia. Mas prestando atenção nos detalhes de fala, gestos, sinais, pistas porque podem indicar a resistência, um sintoma, uma ansiedade, talvez a possível causa do sofrimento.

 No ato de dialogar cabe ao analista conhecer o enredo sócio cultural, e isso resulta da entrevista, para poder fazer as intervenções necessárias levando o analisando a refletir sobre o próprio pensar.

O método psicanalítico com a atenção flutuante e a associação livre,   conjugam um aporte metodológico e técnico de base para o trabalho do psicanalista, porque são os causadores iniciais, e necessários, para que uma experiência analítica possa acontecer. 

Para o psicanalista estar em um setting é preciso mais que um diploma, pois não há conclusão, a psicanálise é terminável e interminável, o tripé supervisão, estudo teórico e sua própria análise são essenciais a esse processo.


Referências bibliográficas

GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis, RJ: Vozes. (2008).

MELO et al. As dimensões da comunicação na obra freudiana. Contextos Clínicos. (2017) Disponível em: disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v10n2/v10n2a09.pdf. Acesso: 28/fev/ 2022. OLIVEIRA, Karla. Funcionamento dos mecanismos de defesa na Psicanálise. RJ: IBPC, 2020. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/funcionamento-mecanismos-de-defesa-psicanalise/ http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v10n2/v10n2a09.pdf. Acesso: 28 fev. 2022.

PSICANÁLISE CLÍNICA. Módulo 09. Curso de psicanálise. 2020. Disponível em: https://membros.psicanaliseclinica.com/pratica2022-1-sa2h/

          

 

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